Vida e morte de Philipp Mainländer

Philipp Batz nasceu em 5 de outubro de 1841. Considerava a si mesmo como filho de uma violação conjugal. Tanto sua mãe como sua avó haviam sido forçadas a casarem-se  por pactos entre terceiros. Como resultado, a avó se afundou com nostalgia em obscuras visões e pressentimentos interiores, sendo tragada em pensamentos místicos e religiosos. Philipp recordava que sua mãe tinha um temperamento melancólico, beirando a loucura, e confessava que ele havia herdado de ambas mulheres seu caráter. Teve seis irmãos, três dos quais se suicidaram.

Philipp e sua irmã Minna da Piccoli
Philipp recebeu sua formação escolar em Offenbach, sua cidade natal, situada às margens do rio Main. Daí provem seu pseudônimo Mainländer (região do Main). Aos quinze anos abandonou a Realschule de Offenbach e ingressou a uma escola de comércio de Dresde, onde permaneceu dois anos. Seu pai, Georf Wilhelm Batz, dono de uma fábrica de couros, havia previsto para ele uma carreira associada ao ofício de comerciante. Nutria o desejo que seu filho fosse um científico de confiança para dar contribuições a sua área, como por exemplo no curtido de couros, cores, tinturas, etc.

Naquele tempo, existia certa amizade entre o conhecido escritor Gutzkow e a família Batz. Foi por intermédio deste que o jovem Philipp viveu em Dresde junto ao Dr. Heisig, um professor que o influenciou em sua formação intelectual. Ademais, o esplendor cultural da época permitiu ter aulas na cidade -situada às margens de Elba- de arte e estética, visitar os museus e assistir teatro. Era o ambiente propício para potenciar seu talento como escritor. O professor Heisig tentou persuadir o pai para que concedesse ao seu filho seguir uma carreira humanista.

Nesse mesmo ano, 1858, Mainländer imigrou à Itália a fim de concretizar uma prática de comércio, país onde se acentuou sua vocação intelectual. Aprendeu italiano e leu a Dante, Pretarca, Bocaccio e Leopardio no original. Mas, também nesse período se afundou em largas depressões. Não somente padeceu de um amor não correspondido, mas também sobretudo a morte de seu irmão. Em Messina, a algumas poucas horas de onde se encontrava, Daniel havia se suicidado. Ocorrida a tragédia, recebeu com grande atraso duas cartas de seu irmão falecido. Na primeira o implorava que fosse visitá-lo em Sicilia, na segunda lhe informava que havia decidido se suicidar depois de haver colapsado em espera. Um gosto amargo que sem dúvida acentuaria o desejo de Mainländer em encontrar uma liberação ao tormento que lhe significava a vida.

A intenção de acelerar o curso de sua vida incidiu à sua tendência em pensar persistentemente sobre a possibilidade de ser soldado para morrer em campo de batalha. A ideia de perecer combatendo não refletia tanto seu patriotismo quanto seu amor ou paixão pela morte, que era muito mais forte. Isso transmitem as histórias que narra, sendo descrito na lei universal do sofrimento no destino dos personagens e a morte como uma redenção de tal tormento. Escreveu poemas de amor, dor, desejo de morte e experiências intensas com a natureza, influencias prováveis de Leopardi. Redigiu a trilogia de um drama histórico: Die letzten Hohenstaufen. Os restos de seu personagem principal, Federico II, descansam em Sicilia, onde se suicidou seu irmão.

Philipp Mainländer em Napoles (foto colorida artificialmente)
Muitas histórias e personagens pegou da vida real. O traço comum que partilham é que eles geralmente estão dispostos a morrer, seja por seus amores, seus ideais, etc.
Em 1863, Mainländer decidiu voltar a Alemanha, pressionado por cumprir a missão encomendada por seus pais: fazer cargo da fábrica de couros. Para o poeta e filósofo este trabalho significava mais um castigo do que um prêmio. Entre 1864 e 1866 viveu na casa deles, tratando de conduzir a firma de seu pai da melhor maneira possível. Levou uma vida bastante austera e de especial cuidado com sua mãe. Tinha um tratamento muito íntimo e carinhoso com ela, e abandonava a casa unicamente para trabalhar. Em 1865, depois de um passeio pelas margens do Rin, a encontrou morta. No afetivo, foi uma perda irrecuperável, já que sua mãe significava tudo para ele. Na figura de Catharina Luise não somente se plasmava o amor à mãe, mas também à mulher, à filha. Sua morte afetou enormemente tanto a ele como ao resto da família.

Mainländer sentiu que o eixo de sua vida havia mudado em um novo papel que começou a girar sobre si. Devia cuidar de sua irmã Minna. Foi uma época dura, as referências emotivas e existenciais pareciam ter desvanecido. Gutzkow, após uma estadia em Weimar, concluiu que sua vida não era valiosa e nesse mesmo ano, depois de uma grave crise psiquiátrica, tentou tirar sua vida.

Mainländer conseguiu suportar parcialmente a morte de sua mãe, por um lado, afundando-se em uma apaixonante vida intelectual. Por outro, contrastava a aspiração de morrer por algo valioso, com o qual aceleraria no fundo o tortuoso processo que lhe provocava viver. De fato, em 1866 expressou explicitamente o desejo de sacrificar-se por uma Alemanha unificada. Depois de diversas tentativas frustradas nas quais não pode aparecer em campo de batalha nem tornar-se soldado, se consagrou com muito mais afinco às letras, ao teatro e logo plenamente à filosofia.

Viveu cinco anos em Offenbach como um verdadeiro eremita. O pai, vendeu sua fábrica no outono de 1868, com a qual Mainländer no começo se sentiu liberto das obrigações comerciais relativas à família. Porém, após esta venda os negócios sucessivos terminaram em fracassos. Enquanto o pai já não podia lhe manter, por intermédio dele conseguiu entrar como correspondente de um banco em Berlim, no ano de 1869. O salário que recebeu no início lhe permitia viver com extrema humildade. Sua esperança de entrar no exército havia novamente fracassado.

Depois da luta cotidiana que lhe significava o trabalho, Mainländer se ausentava do mundo para cultivar sua erudição. Solitariamente se dedicou a estudar antropologia, história natural, política, ciências sociais, poesia alemã e, em particular, filosofia. Leu criticamente a Heráclito, Platão, Aristóteles, Escotus, Locke, Berkeley, Hume, Hobbes, Helvetius, Herbart, Condillac, Fichte, Hegel e Schopenhauer. Porém, foi esta última filosofia aquela que verdadeiramente havia lhe encantado desde muito antes. Lia ao pai do pessimismo como um devoto lê a Bíblia e inclusive confessou que em horas de entusiasmo chegou a prometer-se solenemente a si mesmo: "quero ser tu Pai".

Devido ao êxito de seus trabalhos comerciais, Mainländer começou a receber uma série de gratificações monetárias. Assim, nele despertaria o desejo de converter-se em escritor independente e consagrar-se por completo à filosofia e às letras, mas em uma cidade menor, afastado do centro urbano. Em 1870 quis levar sua irmã para viver com ele. Posto que o pai teve que vender a casa e a família estava dissolvida. Não obstante, estalou a guerra franco-alemã e a mudança de sua irmã não pode se concretizar. Então, mais uma vez renasce sua ânsia por lutar (de fazer algo para defender sua patria) e, em definitivo, morrer por um ideal. Por causa de sua idade, sabia que não podia apresentar-se voluntariamente. Porém, em julho desse ano ocorreu um fato decisivo no conflito bélico. Por causa da adversidade da guerra e do número de baixas, se divulgou pela imprensa da época que excepcionalmente aceitariam voluntários, sem a habitual restrição de idade. De imediato Mainländer teve aulas de esgrima e em agosto de 1870 se incorporou como couraceiro no quartel do regimento da guarda prusiana. O que foi uma infelicidade para os soldados, para Mainländer era um único objetivo: morrer em campo de batalha, tão somente morrer, pois a vida em termos gerais não significava algo distinto dessa luta.

Porém, não foi tão simples, pois algumas semanas mais tarde teve que abandonar o quartel devido a um agudo transtorno nervoso. Mainländer lamentaria mais tarde não haver estado nas batalhas decisivas que se travaram depois da sua retirada. Já como civil, retomou o plano de trazer sua irmã Minna e levá-la a Berlim. Pensava que não se encontrava bem em Offenbach e que não podia desenvolver seu talento como escritor ali onde estava. Mas, ao viajar no ano de 1871 em sua busca encontrou seu pai enfermo, então decidiu renunciar o ano seguinte e cuidar dele.

Foi nessa época que Mainländer tomou consciência da necessidade de ordenar o caos filosófico que havia traçado em diversos escritos e outros que ainda eram só pensamentos. Escreveu em um estado de devaneio o primeiro esboço de "A filosofia da redenção". Após ocupar-se intensamente com Kant e Schopenhauer, em somente quatro meses, redigiu um segundo esboço da obra. No outono de 1873, a concluiu provisoriamente. Continuou escrevendo, inclusive debaixo de diversos estados febris. Por causa de tais devaneios não se deu conta de que a Bolsa de Viena havia quebrado em falência e por causa disso havia perdido quase a totalidade de seu dinheiro. Ao inteirar-se, começou a buscar trabalho e através de diversas tentativas foi aceito em um banco de Berlim.

As penúrias econômicas o fizeram retornar a Berlim, desta vez junto com sua irmã, com objetivo de juntar dinheiro suficiente para manter o pai. Não era seu ideal. Tinha lembranças muito tristes de sua estadia lá; se sobrecarregava saber que entraria em uma ruína de outro tipo, mas decidiu finalmente aceitar o cargo que lhe haviam oferecido. Sentiu a estadia em Berlim como um suplício, parecido com a que experimentou Schopenhauer durante sua permanência na cidade, quando fracassou como docente e terminou fugindo da cólera, epidemia que acabou com a vida de Hegel.

O tormento finalizaria para Mainländer ao apresentar ao banco sua renúncia, em março de 1874, finalizando ao mês seguinte seu último dia de trabalho.

Mainländer como couraceiro em Halberstadt entre outubro de 1874 e novembro de 1875.
Em pouco tempo, o filósofo foi chamado a Halberstadt para incorporar-se como couraceiro no regimento de Magdeburgo; aceitou, embora a direção que seguiria nos meses que lhe restavam de vida estivesse marcada por outra natureza de rigor. Escreveu intensamente entre junho e setembro. Se levantava cada dia as sete da manhã, trabalhava até as dez e logo se banhava às margens do rio Main. Dizia que a corrente lhe ajudava a escrever sua obra, que lhe libertava, que lhe dava força. Ao meio-dia comia apressadamente um pão ou algo improvisado e trabalhava sem descanso até às sete da tarde. Como resultado dessas árduas jornadas, concluiu ao fim de setembro o primeiro tomo de A Filosofia da Redenção. Em 1875 terminou o segundo tomo da obra, ano em que sofreu um colapso espiritual. Sentia um profundo vazio e começou a questionar-se como mesclar teoria com prática. Em sua última carta, o autodidata pede que sua obra recém concluída fosse remetida diretamente a Minna, a Gutzkow e a outros dos professores. Em 31 de março de 1876 chegou de Berlim a Offenbach a primeira edição do primeiro tomo de A filosofia da redenção. No dia seguinte, na noite de 1 de abril, Mainländer se enforcou.

O supremo cumprimento, que se atreve a acometer o suicida, é a abdicação em prol do nada, cujo chegar a ser se anula o mesmo, anulando-se a si mesmo como resultado de uma avidez vital do nada que transcende a si mesma.

Após a sua morte, o pai do filósofo ficou sem apoio algum. Faleceu em 1884. Minna foi para distintos lugares, viveu um tempo na casa de Gutzkow e se fez cargo de publicar o segundo tomo da obra. Cumprida esta dívida se suicidou. Nenhum dos irmãos se casaram nem tiveram filhos.

Die letzten Hohenstaufen, a trilogia de um drama histórico de Mainländer, apareceu em um editorial de Leipzig no ano de 1876. A novela Rupertine del Fino foi publicada em 1899. Os breves fragmentos dramáticos em torno de Buda apareceram em uma revista religiosa no ano de 1917. Com a publicação de Meine Soldatengeschichte, os trabalhos editoriais da obra de Mainländer pareciam chegar ao seu fim. No ano de 1999 aparece sua obra completa, editada pelo tanatólogo e filósofo Winfried Müller-Sevfarth.

Comentários

  1. Olá, Slash. Obrigado pelas considerações! A propósito, dei uma olhada no seu blog e me parece assaz interessante, pretendo ler os artigos assim que possível!

    Forte abraço!

    ResponderExcluir
  2. Devo dizer, como um leitor de Mainlander, este é um blog excellente.
    Biografia otimamente detalhada deste grande filosofo tão grotescamente desvalorizado.
    A unica melhor coise que eu vi para alem deta pequena biografia sobre o homem é o seu proprio diario.

    ResponderExcluir
  3. Muito triste os eventos psicossomáticos na vida de Philipp Mainländer e sua família, a imersão no niilismo levou ao nada, o "pessimismo" europeu no seculo XIX realmente foi muito obscuro aos seus contemporâneos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Link para a antologia da obra "Filosofía de la redención"

"O descobrimento de Schopenhauer", por Philipp Mainländer